sábado, 25 de maio de 2013

Atleta na escola

Antes mesmo da confirmação do Rio de Janeiro como sede dos Jogos de 2016, no programa Juca entrevista, eu já manifestava minha preocupação quanto aos possíveis impactos do evento sobre a realidade da Educação Física escolar.

Refiria-me à possibilidade de sua esportivização, com a retomada da idéia de pirâmide esportiva, que enxerga a Educação Física como base de desenvolvimento do esporte nacional, subordinando-a ao esporte de rendimento.

Não deu outra, veio o Plano Decenal do Esporte e Lazer e minha preocupação aumentou. A fim de projetar o Brasil entre os 10 mais, prometeram institucionalizar o esporte educacional. Nas entrelinhas, o que está na mira do Plano é a massificação da prática esportiva a partir do ambiente escolar.

O Documento preliminar indicativo para ações de políticas públicas para Educação Física e esporte escolar, cuja redação foi protagonizada pela diretoria do CONFEF, deixa claro o que se pretende. Aprovado pela CTD da Câmara dos Deputados em 2009, tal documento foi subscrito pelo Ministério do Esporte e Ministério da Educação.

Há uma série de passagens do documento que indicam para a pirâmide esportiva, concepção ausente dos dispositivos institucionais do sistema educacional brasileiro, como, por exemplo, dos Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental e Médio, das Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica etc.

Tal ausência se justifica porque tal concepção, baseada no modelo do esporte de alto rendimento, opõe-se à consolidação dos valores perseguidos pela instituição escolar, desprezando todos os demais conteúdos da cultura corporal - ginástica, jogo, dança, lutas etc -, além de desconsiderar outras possibilidades de trato pedagógico do esporte.

Ademais, todo documento apresenta um equívoco conceitual e legal em sua formulação, ao dizer que o profissional de Educação Física é responsável pela disciplina curricular obrigatória Educação Física. Isto acontece porque "aulas de Educação Física e de Esporte Escolar", no documento, são tomados como sinônimos.

Como se não bastasse, a orientação da diretoria do CONFEF é pelo enquadramento dos Jogos Escolares e Universitários à Lei nº 9.696/1998, que regulamenta a profissão. Para estes conselheiros, tanto a orientação de equipes esportivas em situação de Jogos como o desenvolvimento do esporte escolar é prerrogativa do profissional de Educação Física, e não do professor.

O documento, somado aos posicionamentos da diretoria do Conselho e articulados às ações do Ministério do Esporte não deixam dúvida. Como uma seqüência de ondas poderosas, os megaeventos - em especial, os Jogos Rio 2016 - tendem a impactar negativamente a Educação Física.

Em texto escrito para a revista Movimento, Megaeventos esportivos e Educação Física, alerta de tsunami, tive a oportunidade de organizar uma análise mais detalhada sobre este processo.

Mas para quem ainda acha que o que vem por aí é só uma marolinha, deem uma lida no Decreto nº 7.984/2013, dispositivo legal que entrou em vigor neste mês regulamentando a Lei Pelé - nº 9.615/1998. O decreto, além de regulamentar as últimas alterações na lei, ocorridas em 2011, traz outras novidades, duas delas, diretamente relacionadas à escola.

A primeira diz repespeito à definição do esporte, cujas manifestações são classificadas como desporto educacional, desporto participação e desporto de rendimento.

Lembremos que a II Conferência Nacional do Esporte apontou para a necessidade de discussão e revisão desta classificação, no entanto, em encontro organizado para este fim e contando com ampla participação. Tal encontro nunca aconteceu e, agora, por decreto, mexeram no conceito de desporto educacional, subdividindo-o em outras duas definições.

"Art 2º - § 1º O desporto educacional pode constituir-se em: I - esporte educacional, ou esporte formação, com atividades em estabelecimentos escolares e não escolares, referenciado em princípios socioeducativos como inclusão, participação, cooperação, promoção à saúde, co-educação e responsabilidade; e II - esporte escolar, praticado pelos estudantes com talento esportivo no ambiente escolar, visando à formação cidadã, referenciado nos princípios do desenvolvimento esportivo e do desenvolvimento do espírito esportivo, podendo contribuir para ampliar as potencialidades para a prática do esporte de rendimento e promoção da saúde."

O que fizeram foi dar base legal ao chamado esporte escolar, o que se relaciona com aquilo que o Ministério do Esporte já vem fazendo através do Programa Segundo Tempo e Descoberta do Talento Esportivo. Além disso, estão forçando o COB a comapartilhar a organização dos Jogos Escolares com a Confederação Brasileira do Desporto Escolar - CBDE.

"Art. 29. Dos totais dos recursos correspondentes ao COB, ao CPB e à CBC: I - dez por cento serão destinados ao desporto escolar, em programação definida conjuntamente com a Confederação Brasileira do Desporto Escolar - CBDE (...) § 4º Do total dos valores destinados ao desporto escolar e ao desporto universitário ao menos cinquenta por cento serão efetivamente empregados nas principais competições nacionais realizadas diretamente pela CBDE e pela CBDU, respectivamente."

Ao que tudo indica, a mudança está de acordo com o projeto do Ministério do Esporte de fortalecer as Olimpíadas Escolares. E sai fortalecida também a própria CBDE, cujo presidente licenciado, Sérgio Rufino, e presidente em exercício, Antônio Hora Filho, são camaradas de partido do ministro Aldo Rebelo, do PCdoB.

Pode ser mais uma lei que não pegue... será?
Vejam o programa que os Ministérios da Educação, do Esporte e da Defesa lançaram juntos no início do mês.

O Programa de Formação Esportiva Escolar, apelidado de Atleta na Escola, como chave na fechadura, vem para dar materialidade no chão da quadra às últimas alterações da Lei Pelé, organizando-se a partir de duas ações:

1. Jogos Escolares: competições que identificarão talentos esportivos, inicialmente, no atletismo;
2. Núcleo de Esporte Escolar: acolhimento dos talentos identificados nos jogos escolares.

As secretarias estaduais e municipais de Educação têm até o dia 1º de junho para aderir ao programa. De início, o MEC fará o repasse de recursos para a realização de competições pelas escolas por intermédio do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, depois vão implantar os Núcleos.

No âmbito municipal e estadual, com dinheiro do PDDE, e na fase nacional, com dinheiro da Lei Pelé, contando ainda com a parceria da Rede Globo, bombaram os Jogos Escolares.

A convite do amigo Tarcisio Mauro Vago, o Tatá, na mesma semana de lançamento do Atleta na Escola, participei da VI Reunião Anual do PROEFE, na UFMG, com a presença de professores de toda as Gerais. Óbvio que nenhum deles sabia do programa, foram apanhados de surpresa, não haviam sido consultados.

Trata-se de mais um programa esportivo vindo de cima para baixo, demandando a problematização das universidades e atenção dos professores, desta vez, um programa diretamente ancorado na lei geral do esporte e com o cofre aberto para quem quiser participar.

Entende?

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Apunts Barcelona


Em 1991, a fim de possibilitar o avanço do processo de mercantilização dos Jogos Olímpicos, o COI revisou a Carta Olímpica. Tal operação tratou de centralizar a comercialização da propriedade intelectual e direitos de imagem do movimento olímpico, isto é, a galinha dos ovos de ouro do Comitê.

É certo que a conversão dos famosos cinco anéis de Coubertin numa mercadoria global foi o resultado de um longo processo, mas, como explica o economista da Unicamp Marcelo Proni, a partir de então, abriam-se de vez as portas para a exploração comercial dos Jogos - e em escala cada vez mais ampliada.

Barcelona 1992 confirmou, portanto, a definitiva transformação dos Jogos Olímpicos num megaevento dirigido pelos interesses do mundo dos negócios, processo que transcendeu ao próprio mundo esportivo, envolvendo a cidade sede em seu conjunto e demandando grandes investimentos em infraestrutura.

Não por acaso, há um consenso entre quem se dedica ao estudo do olimpismo que os Jogos de Barcelona constituem uma experiência paradigmática de planejamento e organização na história do movimento olímpico.

O governo catalão investiu mais de US$ 7 bilhões para abrigar o evento e transformou a cidade inteiramente, alçando-a à condição de um dos principais destinos turísticos da Europa.

De lá para cá, a expectativa é de que o êxito sempre se repita. Ainda que a conta seja alta, espera-se que os Jogos imprimam à feitura de cada nova cidade-sede saltos de inovação em produtos, serviços, estilos de vida e formas culturais.

Segundo o geógrafo da UERJ Gilmar Mascarenhas, o modelo Barcelona, como veio a ficar conhecido, além de combinar ação governamental e interesses privados, inaugurou uma forma de urbanismo baseado na monumentalidade arquitetônica, na invenção de lugares e na regeneração de espaços de desvalia, o que pode ser facilmente reconhecido no projeto Rio-Cidade Olímpica.

Já em 1996, quando o Rio de Janeiro postulou candidatura para os Jogos de 2004, realizados em Atenas, o governo do município contava com assessoria da empresa catalã Tecnologies Urbanas Barcelona S.A.

A candidatura não vingou, mas resultou na elaboração do Plano Estratégico da cidade, tendo nos eventos e megaeventos esportivos um de seus principais pilares.

É certo que o modelo Barcelona não é uma unanimidade. La ciudad mentirosa: fraude y miseria del modelo Barcelona ou El modelo Barcelona: un examen crítico são excelentes referências para quem deseja se inteirar de seus limites e problemas.

No entanto, a avaliação que prevalece é que os Jogos de 1992 lograram enorme sucesso, tanto em relação à organização e resultados esportivos alcançados, como pelos legados que deixaram.

Tal visão pode ser conferida em grande parte das publicações do Centre d'Estudis Olimpics da Universitat Autònoma de Barcelona - CEO-UAB.

Predominou também na opinião de vários pesquisadores com os quais tive a oportunidade de conversar em função de uma pesquisa realizada junto ao Institut Nacional d'Educació Fisica de Catalunya - INEFC.

Entre janeiro e março do ano passado, a partir de uma chamada interna da Assessoria de Assuntos Internacionais da UnB e com o apoio do Programa de Bolsas Iberoamericanas para Jovens Pesquisadores Santander Universidade, tive a oportunidade de desenvolver um intercâmbio junto ao Instituto.

Neste período, foi possível ainda visitar boa parte dos equipamentos olímpicos utilizados para os Jogos, tanto em Barcelona como na área metropolitana. Chamou atenção sua descentralização, funcionalidade e, em grande medida, simplicidade, algo bem distante da suntuosidade exigida pelo atual padrão COI, o que se relaciona à lógica de reprodução ampliada dos megaeventos.

As próprias instalações do INEFC-Barcelona, que serviram às competições de lutas, são uma herança dos Jogos.

Sob o ponto de vista acadêmico, além das novas instalações do INEFC e da criação do CEO-UAB, construíram também o CAR de Sant Cugat, um centro esportivo de alto rendimento que alia formação e pesquisa, aumentaram os investimentos e criaram um plano nacional de pesquisa em esporte como eixo setorial do Plan Nacional de I+D.

É neste contexto que se inscreve a história da Apunts. Educación Física y Deportes, revista científica multidisciplinar do INEFC que nasce em 1985, mesmo ano que Barcelona confirma sua candidatura aos Jogos de 1992.

Registradas estas breves notas de viagem, gostaria de apresentar a Revista Apunts, para a qual, desde o mês passado, junto com os brasileiros Ana Márcia Silva e João Ribas, tive a honra de ser convidado a contribuir como membro de seu Conselho Assessor.

Sob a direção do professor Javier Olivera Betrán, a Revista Apunts é publicada em castelhano e catalão, voltada à divulgação de artigos científicos da Educação Física e do Esporte.

As submissões podem ser realizadas a qualquer tempo. Sua periodicidade é trimestral e todo seu conteúdo pode ser acessado gratuitamente a partir de um excelente sistema de busca.

E antes que me perguntem, já vou logo avisando, sua avaliação junto ao Qualis da Educação Física é B4, resultado da métrica ISI e do viés médico ao qual está aprisionada nossa produção científica, isto é, resultado de nossa atração fatal para a biodinâmica.

Vale dizer, no entanto, que a Revista Apunts está indexada junto ao RESH, ao CARHUS Plus + - sistemas que integram indicadores de qualidade para periódicos das Ciências Sociais e Humanidades - e ao IN-RECS - sistema da área da Educação -, o que lhe faz figurar entre as melhores periódicos da área de Educação Física na Espanha e Europa, gozando de enorme credibilidade e visibilidade naquele país e continente.

Fica então o convite para que todos acessem a revista Apunts. Educación Física y Deportes.

Boa leitura!