terça-feira, 25 de junho de 2013

Copa das Manifestações


A Copa das Confederações da FIFA Brasil 2013 será conhecida como a Copa das Manifestações. 

Os protestos de 11 e 13/6 organizados pelo Movimento Passe Livre - MPL, em São Paulo, foram o estopim. Entre atos pacíficos e violentos, várias outras manifestações se seguiram, envolvendo também outras pautas, indivíduos e coletividades. Mas as mobilizações atingiram seu ápice no dia 20/6, quinta passada, quando mais 1 milhão de manifestantes saíram às ruas, nacionalizando definitivamente o movimento, com protestos em 388 cidades do país, incluindo 22 capitais.

Com a cara da juventude e da esquerda, inclusive bastante simpático e próximo às bandeiras partidárias, o MPL tinha e tem objetivos bem definidos: redução das tarifas dos transportes, qualidade do serviço e o direito à mobilidade urbana. 

No programa Roda Viva de 17/6, duas de suas lideranças foram entrevistadas. E durante o debate, o representante da Polícia Militar foi logo avisando: "Vocês começaram com uma canoa e tão aí com uma arca de Noé". Os jovens rebateram: "o que temos é um canoão". Para eles, um canoão ainda navegando na luta por transporte público mais barato e eficiente. 

Confesso que minha impressão inicial do movimento foi como a de Antonio Prata, ou seja, não estava entendendo nada. As passeatas, de fato, já contavam naquela altura com a riqueza e diversidade de fauna de uma arca de Nóe. 

"Tinha punk de moicano e playboy de mocassim. Patricinha de olho azul e rasta de olho vermelho. Tinha uns barbudos do PCO exigindo que se reestatize o que foi privatizado e engomados a la Tea Party sonhando com a privatização de todo o resto. Tinha quem realmente se estrepa com esses 20 centavos e neguinho que não rela a barriga numa catraca de ônibus desde os tempos da CMTC. (Neguinho, no caso, era eu). Tinha a esperança de que este seja um momento importante na história do país e a suspeita de que talvez o gás da indignação, nas próximas semanas, vá para o vinagre", relatou o escritor.

Era como se o Facebook estivesse nas ruas, num mosaico de mensagens e reivindicações, dando forma a um movimento de pauta e liderança dispersas. Sobre este tema, li uma análise de colegas do Departamento de Psicologia Social  e do Trabalho da UnB, os professores Fábio Iglesias e Ronaldo Pilati, que ajuda entender o que aconteceu. 

Ao repercutirem na internet através das redes sociais, as manifestações romperam com o que a psicologia social chama de espiral do silêncio. A incapacidade de saber o que se passa na cabeça dos outros, constitui um inibidor poderoso do nosso comportamento. Não tem outro jeito de saber o que outro pensa senão olhando para o que ele faz.

"A ausência de reações visíveis faz com que muitos pensem, erroneamente, que não haveria aprovação social de sua queixa. Isso leva a um forte ciclo vicioso, que mantém a conformidade da maioria", explicam os professores.

Assim, o caráter de conexão em rede que esteve na base da estrutura de comunicação das manifestações permitiu a milhares de pessoas perceberem que sua insatisfação era compartilhada, produzindo um efeito cascata de rompimento do padrão conformista.

Ocorre que tal rompimento gera um comportamento anti-normativo, o que, em certa medida, explica o comportamento anti-sistema, anti-partido e anti-instituições que foi a marca do movimento.

Por outro lado, por mais que as manifestações tenham se revelado, por vezes, sem programa e sem rumo, não dá para dizer que foram e são de direita ou fascistas. Foram e são expressão de uma grande insatisfação social, notadamente, da juventude urbana.

Fica a lição de que os movimentos sociais independem de organizações e que podem ser espontâneos. A despeito da violência da PM e da tentativa de criminalização da mídia, a canoa não virou. Arca de Noé ou canoão, foi um movimento bonito de ser ver e de participar, algo sem precedentes em nossa história, desafiando a própria esquerda - em que eu mesmo me incluo - a se repensar para disputar corações e mentes, seja nas ruas ou nas urnas.

Outra análise para qual chamo atenção é do sociólogo da UFMG Leonardo Avritzer. Para ele, as políticas sociais do governo federal bateram no teto. Em outras palavras, não tem mais Bolsa Família e aumento do salário mínimo que dê jeito, uma vez que a chamada nova classe média estagnou. De todo modo, a integração de novos grupos sociais ao consumo gerou fortes problemas na infraestrutura.   

"Aí aparece uma característica do atual governo que é preciso apontar: a pouquíssima disposição para a negociação em questões econômicas e de infraestrutura. Quando pensamos a concepção de construção de infraestrutura existente hoje no país, ela é completamente antissocial", aponta o sociólogo.

Isto quer dizer que para resolver os gargalos de infraestrutura, o Governo Dilma, até então, não tinha a mínima disposição para negociar. 

A maneira como as cidades brasileiras estão construindo a infraestrutura para a Copa de 2014 e os Jogos de 2016 constituem um exemplo bem claro disso, atropelando o direito à moradia, o direito à cidade, o direito ao esporte etc, bem como negando a possibilidade de participação e controle democrático nas decisões sobre a destinação dos recursos e definição de prioridades.

Não por acaso, o tema dos gastos com a Copa figuraram entre as diversas pautas de reivindicação que estiveram na base das manifestações. Até então, eu acreditava que a luta em torno do tema ficaria restrita a setores politicamente organizados da sociedade, mas, ao contrário, mesmo que como pauta secundária diante da luta pelo passe livre, foi sim capaz de mobilizar a massa    

Em quase todos os jogos da Copa das Confederações vimos manifestações. E se o discurso produzido pela mídia em torno da criminalização das manifestações mudou, focando os "vândalos" e "baderneiros", para o movimento protagonizado pelos Comitês Populares da Copa o tratamento foi o mesmo, a repressão não aliviou.

Antes mesmo da ameaça da FIFA de cancelar o evento, o ministro do Esporte bradava: "o Governo não vai tolerar manifestações que tentem impedir jogos da Copa das Confederações". 

Sob a ordem de proteger as zonas de exclusão definidas a partir da Lei Geral da Copa, as forças de segurança não trataram com fair play os protestos no entorno dos estádios. Teve confronto no Maracanã, no Mané Garrincha, no Mineirão, na Fonte Nova e no Castelão.  

O resultado mais imediato de tudo isso é que o movimento emparedou os governos. 

Reconhecendo a legitimidade das manifestações, a própria presidenta foi à TV propor um pacto pela melhoria dos serviços públicos e pela reforma política, além de justificar os gastos com a Copa e pedir trégua em relação ao tratamento com as seleções estrangeiras e pessoal da FIFA.    

Para 2014, está em aberto como o Brasil se apresentará ao mundo: como um país atendo às necessidades e vontade de seu povo - especialmente, dos "de baixo" - ou como um país que perpetua a desigualdade e a exclusão.

Sim, a Copa do Mundo pode ser diferente, mas isto depende de uma disputa nas ruas, é o que defende a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa - ANCOP. Dia 30 de junho tem Jornada de Lutas – Copa pra Quem?

Não à violação de direitos!
Sim ao direito à moradia, ao direito à cidade, ao direito ao esporte e à gestão democrática!
Pela redução da tarifa do transporte público, na luta por direitos para o povo e contra a repressão e exclusão social!

terça-feira, 11 de junho de 2013

Quer pagar quanto?


Hoje, as 9h, a FIFA abriu a venda de um lote extra de ingressos para a Copa das Confederações. Segunda a entidade, este lote corresponde aos ingressos devolvidos pelas seleções e outros usuários. Não são muitos, para a final anunciaram um saldo remanescente de 2.513 ingressos. As 9h5min, entrei no site da FIFA e já não estavam mais lá.

Foram quatro as fases de venda: a de pré-venda, exclusiva para clientes Visa, a aberta por sorteio, a aberta por ordem de chegada e esta última, também por ordem de chegada. Me inscrevi no sorteio e não dei sorte. Depois cheguei tarde na segunda janela e, hoje, o atraso de 5mim me deixou de fora da final.

Vários outros torcedores como eu conseguiram adquirir seus ingressos, é verdade. Mas o fato é que somente 53,17% dos ingressos da Copa das Confederações foram disponibilizados para o chamado torcedor comum, o que ajuda a explicar minha dificuldade.

Do total de 897.825 ingressos para a competição, 7,6% não foram colocados a venda. Foram dados para VIPs, funcionários da FIFA, parceiros comerciais e jornalistas. Sobraram então 829.286 de ingressos vendáveis,  mas somente 477.441 para o público em geral. O restante foi destinado às cotas preferenciais. Só a família FIFA ficou um total de 107.515. A diferença, os outros 351.845 ingressos, foi comercializada diretamente junto aos patrocinadores, promotores de pacotes de hospitalidade, parceiros de transmissões e afiliados comerciais.

Vale ainda registrar que do total de ingressos colocados a venda para o público em geral, por determinação da Lei Geral da Copa, apenas 50 mil ficaram para a categoria mais barata, exclusiva para brasileiros e que pôde ser adquirida com meia entrada por estudantes, beneficiários da bolsa família e idosos.

E para quem conseguiu comprar o ingresso, como relatado no Blog do Juca, retirá-lo vem sendo uma dura missão.

Já para mim que não consegui, se quiser assistir a abertura, a final ou qualquer jogo do Brasil na fase de grupos, só resta recorrer ao cambismo eletrônico, onde o preço de um ingresso para final varia de R$ 1.150 a R$ 9.200. Sem chance!

O Estatuto do Torcedor assim diz:

"Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete: Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. Art. 41-G. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa".

Mas a Fifa diz que nada tem a ver com isso e o Ministro diz que todos os desafios foram superados para a organização do evento. É bem provável que parte dos ingressos das cotas preferenciais tenham ido parar nestes sites de cambismo. Em 2006, por exemplo, teve membro da família FIFA flagrado vendendo ingresso de forma ilegal.

De volta ao mercado oficial, quando anunciou o lote extra, a FIFA apresentou um balanço das vendas:

Temos mais de 76% dos ingressos vendidos, uma resposta fantástica dos torcedores brasileiros e que representa uma Copa das Confederações da FIFA entre as mais bem organizadas da história da competição. A partir de junho, os torcedores terão a possibilidade de adquirir os ingressos restantes. O recorde de vendas da Copa das Confederações da FIFA é de 83% na Alemanha, em 2005, e acredito que ele possa ser superado”, comemorou Jérôme Valcke.

Um dado deste balanço que chama atenção é que apenas 2,9% dos ingressos foram vendidos para estrangeiros. No caso específico de Brasília, o percentual é bem mais baixo, 0,6%. Isto quer dizer que o jogo de abertura da Copa das Confederações vai atrair para capital do país o extraordinário número de 358 turistas estrangeiros.

Lembrei do filme O Banheiro do Papa, cuja mensagem foi utilizada pelo professor de educação física e antropólogo da UFRGS Arlei Damo para probematizar os excessos e a expectativa gerados em torno da Copa.

Mas como se diz na linguagem do futebol, jogo é jogo e treino é treino. Na copa pra valer, isto é, na Copa FIFA 2014, as coisas vão se diferentes. Além da venda de ingressos comuns, a FIFA está  oferecendo ao torcedor estrangeiro os chamados pacotes de hospitalidade, planos que envolvem camarotes e serviços especiais nas arenas.

Já a previsão do governo é de 600 mil turistas para 2014. "Em um cálculo conservador, considerando que eles fiquem em média dez dias no país e gastem 160 dólares por dia vai gerar um receita de 2,2 bilhões de dólares (cerca de R$ 5,1 bilhões) limpos para a economia. São números extraordinários. Isso sem falar no gasto que essas pessoas vão ter com a hospedagem", esta é conta entusiasta de Caio Luiz de Carvalho, ex-presidente da Embratur.

A Match Services, empresa de histórico suspeitoso e responsável pela comercialização internacional dos tais pacotes, afirma que a perspectiva de negócios é extremamente positiva: "O mundo está olhando para o Brasil", afirmam.

Para a FIFA, como apontei em o Maracaná é deles!, o que interessa é que sua projeção de superlucro se realize, cerca de R$ 10 bilhões. Ainda que a venda de ingressos e pacotes de hospitalidade componham a menor parte da receita do evento - a maior parte provém de direitos de TV e marketing, seguida de patrocínio e licenciamento de marcas -, os donos da Copa marcam homem a homem e ingresso a ingresso, contabilizando o quanto podem faturar.

E você, quer pagar quanto? Os pacotes de hospitalidade já estão a venda no site da FIFA. Também podem ser comprados por brasileiros, mas em dólar...  o 1º jogo do Brasil tem preço: US$ 2.552.  Pague com Visa! ...para semifinal e final o preço é de US$ 4.543, mas já se esgotaram.  

Imagina na Copa!